Low carb: reduzir carboidrato realmente aumenta a mortalidade?
Guilherme Giorelli
25/08/2018 04h00
Fontes de carboidrato – Crédito: iStock
Um artigo publicado no dia 16 de agosto na revista Lancet sobre o consumo de carboidrato e mortalidade ganhou manchetes no mundo todo com frases como: "Dieta low carb pode diminuir expectativa de vida" ou "Low e high carb aumentam o risco de mortalidade".
Todas nos levam a acreditar que o estudo estabelece uma relação de causa e efeito, ou seja: que o efeito aumento da mortalidade é causado por fazer dieta low carb. Porém, o artigo não diz isso. Transcrevo e traduzo frase do ultimo parágrafo do artigo:
"Our findings suggest a negative long-term association between life expectancy and both low carbohydrate and high carbohydrate…."
Tradução:
"Nossas descobertas sugerem uma associação negativa de longo prazo entre a expectativa de vida e dietas com baixo e alto carboidrato….."
Ou seja quando o artigo diz que suas descobertas sugerem uma associação, não esta afirmando causa e efeito. Associação não é o mesmo que causalidade.
Um bom exemplo para entender a frase acima seria um estudo que avalia a mortalidade num hospital e num shopping. Claramente a mortalidade no hospital é a maior e a conclusão seria que frequentar hospital é associado a maior mortalidade que ir na igreja. Porém um estudo mais profundo pode explicar quais são os fatores para chegar nessa conclusão, como o fato de que pessoas doentes vão mais ao hospital que ao shopping.
Portanto, estudos observacionais como é o caso do artigo deste publicado na The Lancet, não tem poder cientifico para provar os fatos investigados. Eles apontam caminhos, entretanto, como outras variáveis podem estar ocorrendo e impactando no resultado, mais estudos precisam ser feitos para confirmar as hipóteses levantadas.
Ao analisar mais de perto o estudo do Lancet, alguns destes fatores de confundimento precisam ser esclarecidos.
Na faixa de menor consumo low carb os pacientes apresentaram as seguintes características:
- Faziam menos exercício que nas outras faixas
- Fumavam mais
- Tinham maior IMC
- Maior probabilidade de ter diabetes
Além disso o grupo low carb com grande consumo de proteína animal, apresentou associação alta com baixo consumo de frutas e vegetais.
O estudo foi realizado durante 25 anos com mais de 15.000 pacientes, de forma observacional. A análise da alimentação foi feita por questionários enviados para os pacientes no terceiro, sexto e vigésimo quinto ano do estudo. Trata-se de um estudo muito importante que vai ajudar a ciência a avançar. Entretanto fazer afirmações diferentes das que estão no artigo científico e transformar isto em manchete contribui para a grande dificuldade que as pessoas tem em entender as ciências nutricionais.
Talvez um titulo mais interessante fosse "Low e high carb podem piorar a expectativa de vida, sugere um estudo"
O que podemos afirmar com certeza neste momento é que a perda de gordura corporal, principalmente em pacientes obesos, é a responsável na melhora da gordura do fígado, diminuição da pressão arterial, melhora do colesterol e dos níveis de diabetes. Tendo sido comprovado em diversos estudos de intervenção.
Se a perda de gordura corporal foi conquistada com dieta low carb ou low fat é o que menos importa. O importante é ter uma alimentação que permita o controle da gordura e da massa muscular corporal e esteja de acordo com o estilo de vida de cada paciente.
E claro, não esqueça de se exercitar!
Bons treinos!
Sobre o autor
Guilherme Giorelli é nutrólogo e médico do esporte e exercício. Fellow do International College for Advancement of Nutrology e com mestrado em vitamina D, ele organiza eventos científicos, além de ministrar aulas e palestras. Atualmente é diretor do SMEERJ (Sociedade de Medicina Esportiva e do Exercicio do Rio de Janeiro). Seu dia a dia, porém, é o atendimento de pacientes em sua clínica, que buscam cuidar da saúde por meio da alimentação e do exercício.
Sobre o blog
Este blog é para discutir, sob a ótica da nutrologia e da medicina do esporte, qual o impacto da alimentação sobre o nosso organismo, quais as suas relações com o exercício e como a suplementação pode ajudar. Afinal, todo dia existem novos artigos sendo publicados, novas verdades para serem aprendidas ou questionadas. A ciência nunca está parada, nem você deve ficar.