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Guilherme Giorelli

Exercício aeróbico em jejum: para quem é recomendado seguir essa prática?

Guilherme Giorelli

24/02/2018 04h00

Crédito: iStock

Falar sobre o exercício aeróbico em jejum virou moda nas academias e consultórios. Cada vez mais, ouvimos nos consultórios experiências, positivas ou negativas, de quem se aventurou nesta modalidade de treinamento. Para entender o AEJ precisamos falar sobre Nutrologia do Exercício, pois é necessário juntar muitas peças de um quebra cabeça sobre a relação de cada organismo com o exercício e alimentação.

Para a realização de qualquer atividade física, o nosso organismo aumenta o consumo de energia. Essa energia pode ser avaliada através da quantidade de calorias que gastamos, mas também em relação à qualidade ou seja, de onde essa caloria está vindo. Quanto maior a intensidade de um exercício mais calorias são gastas, mas essas calorias podem vir de 3 lugares: glicose, aminoácidos ou lipídeos (gorduras).

Para saber de onde vem as calorias que o organismo está utilizando, usamos na prática clínica um aparelho que se chama calorimetria indireta. O aparelho é um analisador de oxigênio (O2) e gás carbônico (CO2) que pode ser usado para avaliação em repouso ou durante o exercício.

Em repouso nosso organismo faz o metabolismo aeróbico. Ou seja, o O2 entra pelo pulmão e circula no sangue após ser bombeado pelo coração até chegar em cada uma de nossas células. Dentro das células, existe uma existe uma fábrica de energia chamada de mitocôndria. A mitocôndria "pega" esse oxigênio e faz uma reação química com um dos substratos energéticos (glicose, aminoácido ou lipídeo) produzindo Energia + CO2 + Água.

  • Substrato energético + X moléculas de O2 = Energia + Y moléculas de CO2 + agua

Ao dividirmos a quantidade de moléculas de Co2 produzida pela quantidade de moléculas O2 utilizada chegamos ao valor do quoeficiente respiratório (QR). O valor do QR indiretamente define qual foi o substrato energetico utilizado. Quanto mais próximo o resultado estiver de 0,7 , significa que mais lipídeo está sendo "queimado", quanto mais próximo de 1,0 a glicose passa ser a principal fonte de energia.

Apesar de o ar inspirado (que entra no organismo) sempre ter mais O2 que CO2 e o ar expirado (que sai do organismo) sempre ter mais CO2 que O2, estas quantidades não são fixas. Elas podem variar dependendo de qual substrato energético está sendo oxidado. Para oxidar "gordura", precisamos de grande quantidade de oxigênio dentro da mitocôndria, mas também precisamos de uma mitocôndria eficiente, de uma boa capacidade cardíaca e pulmonar.

Portanto, durante a realização de uma aula de running ou spinning, pode estar sendo realizado um exercício aeróbico ou não. A capacidade individual de cada pessoa durante o exercicio que vai determinar e não a aula em si.

Em 2016, o American College of Sports Medicine, apresentou sua última diretriz sobre performance esportiva, nela está o conceito de train low, algo como treinar baixo. Seria um treino de baixa intensidade aeróbica e com baixa quantidade de carboidrato. Foram demonstrados artigos que explicam a fisiologia celular durante o AEJ. Para isso, o treino precisa ser:

  • Aeróbico: em torno de 50 a 60% da capacidade máxima aeróbica de cada atleta;
  • Precisa haver jejum, ou seja, ausência de alimentos com calorias.

Nele o organismo estaria treinando a mitocôndria a trabalhar, produzindo mais energia da gordura e poupando a energia da glicose e glicogênio muscular, através do estímulo ao aumento de uma enzima chamada PGC1α.

A proposta de se fazer o aeróbico em jejum é, portanto, aumentar a oxidação de gordura durante o exercício. Esta diminuição do QR pode ser uma vantagem para atletas, pois a reserva de lipídeos é maior que a reserva de glicose e glicogênio muscular, o que permite treinar em alta intensidade durante mais tempo. Outra frente que surge para o exercício aeróbico em jejum seria ajudar na perda da gordura corporal.

Precisamos enfatizar a diferença entre treinar e competir com baixa quantidade de energia. Não existem diretrizes que defendam competir em jejum, pois isso leva a uma comprovada piora da performance. O que existe no momento é uma estratégia de periodização nutricional. Ou seja, em parte do treinamento de uma atleta pode ser feito o exercício aeróbico em jejum com o objetivo de melhorar a utilização da energia.

Outra crítica ao AEJ ocorre em pacientes não atletas. O jejum pode aumentar risco de algumas doenças complicarem. Por exemplo, o paciente diabético tem dificuldade em alterar a fonte de energia da glicose para a gordura, o que pode levar à tontura, aumento da frequência cardíaca e da mortalidade durante o exercício.

Essa semana aprendi com um dos maiores pesquisadores em Esporte e Exercício do Brasil e do mundo, o Prof Dr L.C. Cameron, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, a máxima dubitando ad veritatem pervenimus, ou seja, duvidando chegamos à verdade.

A ciência é feita de perguntas, o AEJ é uma delas e que já está na moda antes das respostas!

Bons treinos.

Sobre o autor

Guilherme Giorelli é nutrólogo e médico do esporte e exercício. Fellow do International College for Advancement of Nutrology e com mestrado em vitamina D, ele organiza eventos científicos, além de ministrar aulas e palestras. Atualmente é diretor do SMEERJ (Sociedade de Medicina Esportiva e do Exercicio do Rio de Janeiro). Seu dia a dia, porém, é o atendimento de pacientes em sua clínica, que buscam cuidar da saúde por meio da alimentação e do exercício.

Sobre o blog

Este blog é para discutir, sob a ótica da nutrologia e da medicina do esporte, qual o impacto da alimentação sobre o nosso organismo, quais as suas relações com o exercício e como a suplementação pode ajudar. Afinal, todo dia existem novos artigos sendo publicados, novas verdades para serem aprendidas ou questionadas. A ciência nunca está parada, nem você deve ficar.